sexta-feira, 18 de julho de 2008

Faca de dois gumes

O programa de Trainees , que faz parte do projeto Universidade Corporativa do Sebrae, possibilitou, na última quinta, feira 17, um debate sobre o ensaio 'Raízes do Brasil', escrito em 1936 pelo historiador Sérgio Buarque de Hollanda. O debate contou com a participação do economista, Renato Caporalli, que já foi chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais do Sebrae e hoje está na Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O interessante é que as discussões sobre a atualidade do ensaio para se entender aspectos da conjuntura político-econômica, no geral, e de questões ligadas às micro e pequenas empresas e empreendedorsimo em particular, tomaram tal abrangência que chegaram até às políticas de inclusão social, em vigor com mais ênfase há pelo menos 15 anos. E aqui registro parte do que foi dito porque tem a ver com os posts anteriores.

Caporali é de Campos Altos, Minas Gerais, um município de 14 mil habitantes, situada no planalto divisor das bacias do São Francisco e do Rio Paranaíba, distante 275 quilômetros da capital, Belo Horizonte.

Na década de 90, lideranças locais resolveram implementar ações que acabassem com o trabalho infantil na chamada panha (collheita) do café que pega o período escolar pelo meio, indo até outubro. A panha era responsável pelos altos índices de reprovação nas escolas públicas , seguido do abandono da escola pelos alunos de menor renda antes que completassem o ensino fundamental.

A primeira providência foi discutir com a comunidade o problema, o que incluía os fazendeiros da região. Para espanto dos presentes à reunião, os fazendeiros foram taxativos: não queriam crianças na panha e que elas só iam porque acompanhavam pais, avós e tios. Descobriu-se, então, que elas representavam um estorvo no ambiente de trabalho. Os fazendeiros simplesmente disseram: a partir de amanhã, nenhuma criança sobe em caminho para o trabalho, que as famílias se virem e arranjem onde deixá-las. Bem, o que se seguiu é que a Prefeitura precisou pedir aos fazendeiros que levassem uma semana para cumprirem tal decisão até que providenciasse turno integral nas escolas.

Resolvido o problema de onde deixá-las, restou outro, na visão dos preocupados com a erradicação do trabalho infantil: como as famílias se virariam sem o adicional de renda proporcionado pelas crianças. O resultado da pesquisa feita por alunos da Faculdade de Sociologia de Araxá foi outro espanto. As crianças não estavam fazendo falta alguma. O fato de não estarem ali na panha, tinha aumentado a produtividade dos pais. Ou seja, um problema de 40 anos vivido pela cidade foi resolvido em uma semana.

Então está tudo bem por lá nessa área, não é mesmo? Nem tanto. A escola sozinha não é capaz de exercer a vigilância sobre as crianças no mesmo nível e autoridade imposta pela família e, em Campos Altos, multiplicam-se os delitos infantis e juvenis. Nada ainda tão grave, mas o suficiente para acirrar discussões sobre o papel dos poderes públicos e o papel da família em questões como educação e segurança pública. E, inclusive, se crianças maiores e pré-adolescentes, devem mesmo ficar completamente afastados de atividades que lhe dêem renda, desde que não lhe representem riscos, nem degradação física ou moral ou lhes tirem da escola.

Segundo Caporali há muitos livros sobre casos de sucesso das chamadas políticas sociais. O livro que ainda está por ser escrito é sobre seus efeitos colaterais indesejáveis.

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