sábado, 19 de julho de 2008

Raízes do Brasil, o presente no passado ...

A primeira vez que li o ensaio de Sérgio Buarque de Hollanda, Raízes do Brasil, já li tarde. Tinha 20 anos , recém entrado na Universidade de Brasília e a obra fazia parte da bibliografia da matéria Cultura Brasileira, obrigatória para o básico de qualquer curso da área de Humanas. Era o primeiro semestre de 1970, e eu fazia Letras. Deveria ter lido aos quinze, porque antes disso já lia Machado de Assis e Graciliano Ramos. Então era só uma questão de contato físico com obra, não de falta de base para o entendimento.

Nas matérias específicas de Letras, as turmas praticamente eram só de mulheres. Mas as obrigatórias eram tudo de bom. Meninos em peso. Lembro-me do professor Baranda, capaz de passar duas horas com uma turma de 40 alunos, sem esboçar um sorriso. Escondia-se por trás de uns óculos de lentes grossas. Dividia o apartamento com o professor de português, Antônio Salles (o melhor que tive em toda a minha vida), que depois virou monge, desses enclausurados. Baranda morreu ainda jovem, dizem que de ataque cardíaco, bem antes da decisão do amigo.

Tudo que aconteceu naquele semestre mudou a minha vida para sempre. No primeiro dia de aula de Literatura Portuguesa, com a professora Diana Fernandes, ela, tão magrinha mas de voz poderosa me apresentou Fernando Pessoa: O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.

Mas voltemos ao Raízes do Brasil, a questão do patrimonialismo explicitada no livro, que dita até hoje nossa vida política ( nego-me aqui a citar qualquer nome freqüentador do atual noticiário) ficou claríssima para mim. Tão claro que há muito tempo entendo: tudo o que nos provoca ira, vergonha e indignação, não passa de espuma. Enquanto isso o país vai fazendo, muito lentamente que seja, as mudanças necessárias. Incorporei uma visão histórica de longo no meu jeito de entender as coisas, que foi um alívio quando deixei, há dez anos, o jornalismo diário. Desde que Dom João VI e a corte portuguesa se instalou aqui, há exatamente 200 anos, com Napoleão nos calcanhares, tudo se resume numa luta pelo controle não do governo, mas do estado.

Essa visão fez com que eu não me incorporasse a qualquer movimento político dentro da Universidade, apesar de sempre acompanhar assembléias e fazer passeatas pelo campus gritando "Estudante não tem medo, abaixo o Azevedo" (José Carlos Azevedo, militar da Marinha, era o, então, reitor).

Me juntava ao coro dos descontentes simplesmente porque não queria uma Universidade administrada como quartel: as aulas começavam as sete da manhã; as chamadas para verificação de presenças, feitas cinco minutos antes do encerramento do horário; professores podiam impedir a entrada de retardatários; estudantes eram arrancados por agentes da Polícia Federal de dentro da sala de aula. Isso para dizer o mínimo...

Bem tudo isso para registrar que foi com grande amor e saudade que assisti o debate sobre o livro Raízes do Brasil, na última quinta-feira (ver post anterior).

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